Hannah Arendt e o seu conceito de ‘banalidade do mal’by O. Braga |
Dizer
que uma pessoa que não sente remorso nem culpa, é uma “pessoa normal”, é uma
estupidez, e só se justifica mediante o relativismo ético que caracterizou
Hannah Arendt.
Há
que distinguir “banalidade do mal”, por um lado, de “banalização do
mal”, por outro lado. E também haveria que laborar no conceito de
“mal”, mas infelizmente não cabe aqui e agora fazê-lo, por falta de espaço.
O
mal sempre foi mais ou menos banal, consoante as épocas, e sempre assim será: a
tentativa de erradicar o mal da condição humana não é só utópica: é também, em
si mesma, uma manifestação da banalização do mal, e já não só a
mera expressão da banalidade do mal. O primeiro utopista de que
há história foi Platão, que defendeu, na sua “República”, a criação de campos de
concentração, assim como defendeu a queima dos livros de Homero. No entanto,
Platão foi também o criador da alegoria da caverna e o defensor do conceito de
Ideia. O problema da utopia é que aplica a absolutização do conceito de Ideia
platónica a um mundo material (no sentido macroscópico do universo); ou seja,
não separa ou não distingue os dois conceitos.

Hannah Arendt
Do
que Hannah Arendt falou no seu livro “Eichmann em Jerusalém” (1963) com
o subtítulo “Relatório sobre a Banalidade do Mal”, decorre da
existência real e concreta do Homo Totalitarius que é um fenómeno
moderno (nisso, concordo com ela); o Homo Totalitarius não existia,
como tal, antes de meados do século XVII. E a confusão que se seguiu à
publicação do seu livro prende-se com a ambiguidade que a palavra
“banalidade” transporta consigo naquele contexto concreto: se Hannah
Arendt tivesse utilizado o termo “banalização”, em vez de
“banalidade”, talvez muita da confusão em redor do seu livro poderia
ter sido evitada. Mas essa ambiguidade de Hannah Arendt é intrínseca à sua forma
relativista de pensar, e por isso o seu livro não poderia ser outra coisa senão
ambíguo.
Eu
penso que é verdade que o homo totalitarius é um fenómeno moderno; mas
discordo da visão de Hannah Arendt segundo a qual Eichmann era “uma pessoa
completamente normal” (sic), no seguimento da ideia segundo a qual o Estado
nazi — segundo Arendt — não ter nada de “demoníaco”, e nem ser, pior
ainda, “psicopatológico”, mas, em vez disso, ser apenas — segundo
Arendt — o produto ou consequência do “consentimento” dado por homens e
mulheres completamente “normais, tal Eichmann”.
Hannah
Arendt parece não ter compreendido que a Alemanha ficou cativa de uma elite —
que se seleccionou a si mesma, ao longo da década de 1920, mediante uma simpatia
comum e fundamental em relação a uma determinada mundividência — composta, na
sua esmagadora maioria, por psicopatas que assumiram o poder político. Portanto,
dizer, como Hannah Arendt diz, que o Estado nazi não era nada demoníaco nem
psicopatológico, e afirmar que Eichmann era uma pessoa normal, é um completo
disparate. É separar o Estado, por um lado, das pessoas e/ou da elite política
que o conduz, por outro lado.
Portanto,
a natureza maléfica da elite nazi — composta maioritariamente por psicopatas
cuidadosamente seleccionados na sociedade alemã, e ao longo de mais de uma
década — não era banal (banalidade do mal), como diz Hannah Arendt: antes, essa
natureza maléfica foi banalizada
(banalização do mal) mediante um mecanismo de mimetismo cultural transversal a
toda a sociedade alemã, e mediante um efeito cultural de Trickle-down (Georg
Simmel) — da mesma forma que o acto de abortar pode ser actualmente tão
banalizado que funciona já como um método anti-conceptivo e é mesmo ensinado nas
escolas; mas esta banalização do aborto (que é uma forma de mal) tem a sua
origem na psicopatia das elites políticas actuais, no mimetismo cultural e no
efeito cultural de Trickle-down. E quando a psicopatia das elites encontra um
ambiente epigenético favorável à sua
proliferação, surgem como cogumelos e em todo o seu esplendor, os Eichmann deste
mundo.
Um
psicopata, como Eichmann, não sente remorso; não sente culpa. A
psiquiatria definiu já um arquétipo mental preciso do psicopata. Dizer
que uma pessoa que não sente remorso nem culpa, é uma “pessoa normal”, é uma
estupidez, e só se justifica mediante o relativismo ético que caracterizou
Hannah Arendt.
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